domingo, 24 de dezembro de 2017

"Deus quer nascer em nós porque nos ama..." (Anselm Grün)

Cristo nasceu num estábulo. C. G. Jung, para quem tal facto se reveste de um grande simbolismo, acredita que o estábulo em que Deus nasce representa cada um de nós. Não somos nem um palácio, nem uma casa nova e bem equipada, nem um quarto confortável. E cada um de nós associa o estábulo a experiências e sentimentos que lhe são muito próprios. Uma mulher contou-me que, em pequena, ao regressar da escola, ia sempre direita ao estábulo: era aí que ela se sentia em casa. O próprio cheiro do estábulo infundia lhe uma sensação de segurança e nele pressentia as suas raízes. No estábulo há animais. Trata-se pois de um lugar de vida, de nascimentos sempre repetidos e de morte: nele se encerra todo o quotidiano, com os seus altos e baixos.
As crianças sentem-se próximas dos animais; estes deixam-se acariciar, permitem que se ocupem deles e são mais pacientes do que os humanos. Ouvem o que as crianças têm para lhes dizer. E, além disso, no estábulo há sempre o mesmo calor; até mesmo no Inverno, são os animais a conservá-lo com os seus próprios corpos.
Mas o estábulo não é, de modo algum, um local de limpeza meticulosa; contém estrume, sujidades.
Há, certamente, uma limpeza contínua, mas o estrume acumula-se sempre, a cada dia que passa; é, aliás, utilizado para fertilizar os campos. Ora, tudo isto é bem a imagem do que somos no nosso interior. O nosso coração também não é puro, nem limpo, nem asséptico; acumula muita sujidade. Tudo aquilo que fomos reprimindo encontra-se nele, bem dissimulado, abaixo da superfície, e aí apodrece lentamente. Este reprime a sua agressividade; por detrás de uma fachada amigável e sorridente, encontra-se uma frieza através da qual a agressividade vai desferindo as suas flechas. Aquele reprimiu as necessidades que sentia, mas que não o deixam em paz: estão presentes, rodeiam-no e levantam-se em turbilhão sempre que o cônjuge ou os filhos exprimem livremente as deles. Um outro passa por cima de feridas da sua infância, preferindo ignorá-las; mas as feridas não se fecham. Continuam a deitar pus por debaixo do penso e este permanece continuamente sujo.
E é precisamente aí, no nosso estrume, que Deus quer nascer em nós. Não Lhe podemos oferecer um local limpo, mas tão somente o estábulo do nosso coração, com toda a sua sujidade. Tal facto é-nos deveras penoso, mas também nos liberta da ilusão de termos merecido o nascimento de Deus. Deus quer nascer em nós porque nos ama, e não porque somos dignos do seu amor.
O nascimento de Jesus enche o estábulo de luz, de uma luz suave e quente, que não ilumina de forma intensa e brutal mas que permite que as coisas sejam o que são. Perto da Criança Divina, tudo em nós tem o direito de existir; até mesmo a sujidade, o reprimido, o que foi atirado ao chão, aquilo que só merece desprezo, tudo deixa de ser insignificante. À luz de Cristo, cheio de ternura, podemos olhar tudo de frente; através de Cristo, tudo se torna digno de consideração, já que transformado pelo seu amor. Tal é a mensagem consoladora do estábulo: tudo em nós se metamorfoseia pelo simples facto de que Cristo penetra nas trevas e no caos do nosso coração.
O que faz com que a Criança Divina se sinta bem em nós, o que torna o seu leito macio e confortável, é precisamente o facto de que não houve nenhuma limpeza industrial. Perto dessa criança, pareceria estranho algo de muito perfeito. A criança necessita de uma cama bem macia, mas não de lençóis desinfectados. Assim podes, tu que me lês, acreditar com toda a confiança que, tal como és, poderás ser uma morada para Cristo, o estábulo em que Ele vem ao mundo, para ti e para todos os homens.
 
Anselm Grün

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