Cristo nasceu num estábulo. C. G. Jung, para quem tal facto se reveste de um grande simbolismo, acredita que o estábulo em que Deus nasce representa cada um de nós. Não somos nem um palácio, nem uma casa nova e bem equipada, nem um quarto confortável. E cada um de nós associa o estábulo a experiências e sentimentos que lhe são muito próprios. Uma mulher contou-me que, em pequena, ao regressar da escola, ia sempre direita ao estábulo: era aí que ela se sentia em casa. O próprio cheiro do estábulo infundia lhe uma sensação de segurança e nele pressentia as suas raízes. No estábulo há animais. Trata-se pois de um lugar de vida, de nascimentos sempre repetidos e de morte: nele se encerra todo o quotidiano, com os seus altos e baixos.
As crianças sentem-se próximas dos animais; estes deixam-se acariciar, permitem que se ocupem deles e são mais pacientes do que os humanos. Ouvem o que as crianças têm para lhes dizer. E, além disso, no estábulo há sempre o mesmo calor; até mesmo no Inverno, são os animais a conservá-lo com os seus próprios corpos.
Mas o estábulo não é, de modo algum, um local de limpeza meticulosa; contém estrume, sujidades.
Há, certamente, uma limpeza contínua, mas o estrume acumula-se sempre, a cada dia que passa; é, aliás, utilizado para fertilizar os campos. Ora, tudo isto é bem a imagem do que somos no nosso interior. O nosso coração também não é puro, nem limpo, nem asséptico; acumula muita sujidade. Tudo aquilo que fomos reprimindo encontra-se nele, bem dissimulado, abaixo da superfície, e aí apodrece lentamente. Este reprime a sua agressividade; por detrás de uma fachada amigável e sorridente, encontra-se uma frieza através da qual a agressividade vai desferindo as suas flechas. Aquele reprimiu as necessidades que sentia, mas que não o deixam em paz: estão presentes, rodeiam-no e levantam-se em turbilhão sempre que o cônjuge ou os filhos exprimem livremente as deles. Um outro passa por cima de feridas da sua infância, preferindo ignorá-las; mas as feridas não se fecham. Continuam a deitar pus por debaixo do penso e este permanece continuamente sujo.
E é precisamente aí, no nosso estrume, que Deus quer nascer em nós. Não Lhe podemos oferecer um local limpo, mas tão somente o estábulo do nosso coração, com toda a sua sujidade. Tal facto é-nos deveras penoso, mas também nos liberta da ilusão de termos merecido o nascimento de Deus. Deus quer nascer em nós porque nos ama, e não porque somos dignos do seu amor.
O nascimento de Jesus enche o estábulo de luz, de uma luz suave e quente, que não ilumina de forma intensa e brutal mas que permite que as coisas sejam o que são. Perto da Criança Divina, tudo em nós tem o direito de existir; até mesmo a sujidade, o reprimido, o que foi atirado ao chão, aquilo que só merece desprezo, tudo deixa de ser insignificante. À luz de Cristo, cheio de ternura, podemos olhar tudo de frente; através de Cristo, tudo se torna digno de consideração, já que transformado pelo seu amor. Tal é a mensagem consoladora do estábulo: tudo em nós se metamorfoseia pelo simples facto de que Cristo penetra nas trevas e no caos do nosso coração.
O que faz com que a Criança Divina se sinta bem em nós, o que torna o seu leito macio e confortável, é precisamente o facto de que não houve nenhuma limpeza industrial. Perto dessa criança, pareceria estranho algo de muito perfeito. A criança necessita de uma cama bem macia, mas não de lençóis desinfectados. Assim podes, tu que me lês, acreditar com toda a confiança que, tal como és, poderás ser uma morada para Cristo, o estábulo em que Ele vem ao mundo, para ti e para todos os homens.
Anselm Grün
Sem comentários:
Enviar um comentário