Caminham em filas ao lado das estradas nacionais,
por trilhos de terra batida, atravessando pequenos povoados que antes
desconheciam, cruzando horas e horas a paisagem de giestas e silêncio.
Têm em português um nome que deriva de uma forma latina: Per ager, que
significa “através dos campos”; ou Per eger, “para lá das fronteiras”.
Definem-se, assim, por uma extraterritorialidade simbólica que os faz,
momentaneamente, viver sem cidade e sem morada. Experimentam uma espécie de
nomadismo: não se demoram em parte alguma, comem ao sabor da própria jornada,
dormem aqui e ali. Num tempo ferozmente cioso da produção e do consumo, eles
são um elogio da frugalidade e do dom. Relativizam a prisão de comodismos,
necessidades, fatalismos e desculpas. E o seu coração abre-se à revelação de um
sentido maior.
A verdade é que é difícil ter uma vida interior
de qualidade, se nem vida se tem, no atropelo de um quotidiano que devora tudo.
Na saturação das imagens que nos são impostas, vamos perdendo a capacidade de
ver. No excesso de informação e de palavra, esquecemos a arte de ouvir e
comunicar vida. Damos por nós, e há, à nossa volta, um deserto sem resposta que
cresce. E quando nos voltamos para Deus, parece que não sabemos rezar.
Estes peregrinos que tornam a encher as estradas
de Fátima (mas também de Santiago, de Chartres, do Loreto…) assinalam-nos o
dever de buscar a estrada luminosa da própria vida. Já não separam a existência
por gavetas estanques, mas o seu corpo e a sua alma respiram em uníssono. A
oração torna-se natural como uma conversa, e as conversas enchem-se de
profundidade, de atenção, de sorrisos. A parte mais importante dos quilómetros
que percorrem não está em nenhum mapa: eles caminham para um centro invisível
onde pode acontecer o encontro e o renascimento.
Queria dedicar este texto a um amigo que, neste
mês de Maio, fez a sua primeira peregrinação. A meio do caminho enviou-me uma
mensagem a dizer: «Aprendo a rezar com os pés».
Padre
João Tolentino Mendonça
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